Hausbesuch. Quatro banquetes (Europa) (eBook)
166 Seiten
Frohmann Verlag
978-3-947047-04-8 (ISBN)
Gonçalo M. Tavares
Quatro banquetes
(Europa)
Banquete nº 1
Sento-me; ao meu lado, o hospitaleiro europeu. Como animal doméstico, mesmo com a sua expiração encostada ao meu braço desprotegidíssimo e civilizado, um tigre; não dos maiores, mas tigre, tigre das patas ao focinho; elemento que sempre conhecera como muito selvagem nos filmes, mas que, ali, garante-me de forma neutra o dono da casa, aquele, em particular, é mamífero individualmente pacifista.
– Só em grupo são perigosos – diz-me o dono da casa … – um pouco como os humanos – acrescenta, e ri-se, depois, às gargalhadas.
Pois sim, trata-se, a partir dali, de tentar descontrair, ou seja: o peso do rabo mais cabeça mais pernas e tronco deve pousar sobre a cadeira como se fruto de uma aterragem tranquilíssima de um elemento aéreo suportado por um balão larguíssimo e pachorrento, ou seja, descontrair, a nível muscular, é isso mesmo: deixar que todo o peso, cada um dos gramas, se entregue totalmente ao solo, mesmo que este seja um solo temporário e um pouco mais alto do que o nível do mar – uma cadeira. E ter medo, por outro lado, embora não suspenda a sempre companheira lei da gravidade, internamente, a nível bem íntimo e orgânico, pelo menos não deixa o corpo inteiro em repouso abandonado; ter medo é resistir, subir o que na queda ainda se permite, se bem que apenas de forma interna – manter erectos e atentos mais músculos do que os que se deixam cair no adormecimento. E, portanto, entre descontrair e controlar o pânico havia, naqueles instantes iniciais, ainda uma distância de maratona sensorial; sendo certo que o dono da casa fazia tudo para diminuir esse espaço, essa diferença. Em suma, eu estava tenso e com medo.
– Se não se sente à vontade com tigres, posso fechá-lo no quarto – disse-me ele, de forma atenciosa. E acrescentou –… no quarto das crianças.
E no momento em que o meu hospedeiro diz
No quarto das crianças
julgo adivinhar-lhe ali, no cantinho de uns lábios bem sóbrios e frankfurtianos, um músculo, um único, sarcástico ou talvez sádico, quem sabe? Como ler, interpretar, fazer uma exegese profunda de um músculo mínimo na ampla e bem agitada cidade de Frankfurt? O que pode um músculo? – poder-se-ia perguntar. O que diz um músculo?
Bem, mas sim: o dono da casa parecia basicamente colocar-me diante de uma decisão de imperador romano: quem ficará em perigo de vida? Quem salvo?
Porque era quase como se ele tivesse dito: se não se sente tranquilo com o meu dócil e quase agrícola tigre, senhor animal pacato e da terra, se não se sente descontraído fecho-o no quarto onde as crianças brincam; com o risco, que existe, já se sabe, sempre que juntamos tigres e crianças, de surgir uma incompreensível e injustificada discussão que termine mal para a infância e para a harmonia do mundo.
Sou ou não suficientemente distante da compaixão em relação a quem não conheço para colocar em risco as brincadeiras do dia de amanhã de belas crianças de Frankfurt? A minha resposta é yes, sí.
Agradeço, pois, e respondo simplesmente
Sim, pode ser
palavras cobertas por um véu, que basicamente parecem substituir um grito sincero que evito despejar em sala tão simpática de Frankfurt; o verdadeiro grito que, claro, dada a minha sobriedade não desvelo.
– Sim, quero comer sossegado e não quero ser comido!!! Por favor, ponha o tigre no quarto das crianças!! No meio da brincadeira das crianças! Quero relaxar!!
É evidente que em Frankfurt os tigres não são muito bem vistos; há um certo preconceito, digamos. No entanto, precisamente em Frankfurt como em grande parte das cidades europeias, o fato e a gravata, as boas maneiras, a detalhada educação, a tolerância, o modo como a frase somos todos iguais passou já há muito de ser aplicada aos homens para passar aos animais e às plantas
(os minerais ainda aguardam que o olhar civilizado os alcance)
os animais são todos iguais, temos de compreendê-los, as plantas –todas merecem água e sol, não sejamos injustos; enfim, a cidade estava debaixo desse novo oxigénio que em tempos mais lá para a frente se classificará certamente como
o oxigénio da segunda década do século XXI,
aquilo, então, a que atabalhoadamente, em cafés populares, se dá o nome de
politicamente correcto.
– No fundo, um tigre é um animal como os outros. Qual a diferença entre um tigre e o cão?
Sim, concordamos todos. Qual a diferença?
E, de facto, sim e sim: ali estamos, convidados para quem a delicadeza está acima dos Direitos do Homem, a tentar enviar toda a nossa atenção para um invulgar doce que mistura frutas, ananás, pêssego, um fruto vermelho – fruto comunista, como alguém murmurou entre sorrisos historicamente bem conscientes de datas relevantes,
se é vermelho é um bolo de 1917 – 1917, que tragédia, que bolo tão antigo!
e ainda chocolate derretido e umas pitadas de um creme gelatinoso, ali estamos, pois, tentando esquecer milénios de anos em que a sensação de gula sempre fora atropelada pela pesadíssima sensação primária de medo; ali estamos, então, tentando chamar todos os vestígios de gula (que delícia, chocolate e creme!) para cima da mesa de forma a esquecermos o bafo do tigre a menos de dois metros de nós
(porque, de facto, de um modo bem democrático, com voto de braço no ar, a comunidade educadíssima do banquete havia decidido que não, não se excluiria uma espécie animal em detrimento de outra. E se por ali se passeava um mini-cão que os donos designavam, como sintaxe, porquê não sei,
ali vai a sintaxe!, é tão pequenina!
se por ali se passeava um cão, sem restrições algumas, também o tigre tinha direito a não ser arrumado juntamente com as crianças no quarto; tinha direito, digamos, à convivência orgânica entre seres vivos adultos.)
– E como se chama o tigre? – alguém pergunta.
– Memória – responde o dono da casa.
Memória!
E sim, sem uma razão evidente, aquele nome assustava ainda mais do que os dentes claramente feitos para trincar convidados inadvertidos e distraidamente desarmados, dentes aptos para destroçar num golpe uma qualquer matéria que resista e que chame por socorro,
Memória!, que nome tão estranho, murmura um outro convidado, um pouco a medo, para não ferir susceptibilidades.
– Memória, vem cá! – chamava a dona da casa, mas ela não vinha.
– Sim, memória – explicou o dono de casa, como se desenhasse na mesa a óbvia constituição mecânica e interior de uma máquina de café ou de tirar fotocópias.
– O tigre é um animal – começou o dono da casa –…há uma série de estudos que o comprovam, que tem uma enormíssima memória; uma capacidade invulgar para não esquecer as necessidades do seu povo, se assim me posso exprimir – e riu-se.
– Como? – perguntei assustado.
O facto de o tigre ainda não ter comido não era, como se poderia pensar à primeira, um acto provocatório do dono da casa em relação a convidados pouco viajados à selva e mal habituados à convivência com felinos esgrouviados e imprevisíveis; era, simplesmente, explicou com alguma solenidade o nosso hospedeiro, era simplesmente um hábito firme, um hábito que, segundo os tratadores de felinos, era essencial para mostrar quem é o dono e quem é o animal doméstico: o dono tem de comer primeiro, é uma regra base da domesticação.
De qualquer maneira, não fui apenas eu a insistir que, sendo já quase onze da noite, talvez fosse um excelente momento para dar comida ao nosso irmão-tigre, deixem-me usar esta expressão, expressão que balançava entre o vocabulário de São Francisco e o de um programa humanista da manhã da televisão em que todos, em série, de cinco em cinco minutos, sofremos com um sujeito doentíssimo ou alvo de um acidente natural fulminante que nos é apresentado pela sedutora tela
irmão-tigre, sim, mas o facto é que muitos dos outros convidados haviam já há muito suspendido as conversas sobre Homero para, repetidamente, chamarem à atenção (como quem, sem querer incomodar, diz que ali, no canto da casa, está a começar um incêndio) à senhora dona de casa e ao seu marido, para esse acontecimento na negativa, que nos parecia afinal essencial, que era o facto de o tigre ainda não ter comido nada, nadíssima; o que, realmente, parecia cada vez mais uma injustiça, uma assimetria pouco gentil e educada.
Não se tratava de estarmos preocupados connosco, que preocupação pode ter um cidadão que já comeu e está numa cidade tranquila? Não, o que nos preocupava eram os outros, o Outro, o grande Outro que a filosofia, as leis e a gentileza sempre assinalaram e respeitaram. O Outro, neste caso, com maiúscula, era um terrível e bem constituído felino. E sim, ainda não havia comido nada, e já era tarde.
Que sei eu de tigres, e da forma mais científica de os integrar socialmente? Nada, a verdade é essa, nada sei.
O certo é que o tigre se comportou impecavelmente até ao fim da...
Erscheint lt. Verlag | 15.2.2017 |
---|---|
Sprache | Dutch; Flemish |
Themenwelt | Sachbuch/Ratgeber |
Reisen ► Reiseführer ► Europa | |
ISBN-10 | 3-947047-04-5 / 3947047045 |
ISBN-13 | 978-3-947047-04-8 / 9783947047048 |
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Größe: 213 KB
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